Terceiro dia do 1º Seminário-Oficina do “Protocolo da Cultura Viva para Situações de Catástrofes Naturais, Climáticas e Pandêmicas” destaca atuação estratégica da comunidade cultural em crises
- ecomuseurural

- 12 de nov.
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O terceiro dia do 1º Seminário-Oficina do “Protocolo da Cultura Viva para Situações de Catástrofes Naturais, Climáticas e Pandêmicas”, realizado em 7 de novembro de 2025, encerrou o primeiro ciclo nacional de escutas promovido pela Rede Nacional de Pontos de Cultura e Memórias Rurais e pelo Pontão Nacional Territórios Rurais e Cultura Alimentar em parceria com a Comissão Nacional de Pontos e Pontões de Cultura e o Ministério da Cultura. O encontro consolidou o processo coletivo de construção do Protocolo da Cultura Viva, instrumento que reconhece a cultura como direito humano e como dimensão essencial das políticas públicas de prevenção, resposta e reconstrução diante das emergências climáticas, sanitárias e socioambientais.
A abertura reafirmou os três eixos estruturantes do Protocolo: prevenção, resposta cultural e pós-impacto, e destacou as escutas territoriais como metodologia viva de formulação cultural. As falas demonstraram a diversidade de contextos e desafios enfrentados pelas organizações culturais em seus territórios, reforçando que a cultura é força de cuidado, resistência e reconstrução da vida.
A Associação Caiçara de Promoção Humana / Rede Tucum (CE) compartilhou a experiência das comunidades pesqueiras do litoral cearense durante a pandemia de COVID-19 e os impactos do isolamento social sobre o turismo comunitário e a renda local. A rede articulou campanhas solidárias, distribuindo alimentos, máscaras e produtos de higiene para centenas de famílias. Promoveu ainda rodas de escuta sobre saúde mental e espiritualidade, e manteve vivas as tradições caiçaras, quilombolas e indígenas por meio de atividades culturais on-line e do fortalecimento da economia solidária. As ações mostraram como a cultura e a solidariedade se transformaram em infraestrutura de sobrevivência e dignidade.
O Instituto Maria Conga (PR) apresentou sua atuação em Quitandinha, no interior do Paraná, destacando ações de resposta a vendavais, alagamentos e temporais que periodicamente atingem a região. O Instituto, que tem origem em um terreiro de tradição afro-brasileira, oferece abrigo, alimentação e apoio para famílias afetadas, organizando mutirões comunitários de reconstrução. Durante a pandemia, o espaço também atuou como ponto de saúde popular, com distribuição de ervas medicinais, atendimentos de cuidado emocional e campanhas de vacinação, integrando espiritualidade e medicina tradicional como práticas de acolhimento e cura coletiva.
A Casa dos Saberes (RJ) recordou sua origem na tragédia climática da Região Serrana de 2011, quando as enchentes e deslizamentos devastaram Nova Friburgo e municípios vizinhos. A associação surgiu como resposta comunitária à reconstrução simbólica e social, transformando-se em um centro de arte, educação e memória. Durante a pandemia, manteve ações de agroecologia, bioconstrução e educação ambiental, além do projeto Caixinha do Cuidado, com mulheres agricultoras produzindo ervas e cosméticos naturais. A Casa dos Saberes reforçou ainda a importância da participação das organizações culturais em comitês de bacia hidrográfica e conselhos ambientais, defendendo a presença da cultura nos espaços de decisão sobre os territórios.
O Grupo de Mulheres Mãos Aroeira (BA), do território quilombola de Palmas de Monte Alto, relatou as experiências vividas durante a pandemia e as enchentes que isolaram comunidades rurais. O grupo organizou mutirões de limpeza, doações de cestas básicas e kits de higiene, e criou redes de mobilização por meio de aplicativos para alcançar famílias em áreas de difícil acesso. Desenvolveu o projeto Caixinha do Cuidado, fortalecendo o autocuidado e a geração de renda por meio da produção de ervas, chás e produtos naturais. As mulheres também denunciaram os impactos de empreendimentos energéticos sobre suas terras e reafirmaram o protagonismo das comunidades quilombolas na defesa da vida e da agroecologia.
O Instituto Boi Mamão (SC) trouxe a realidade do litoral catarinense, onde o avanço do mar, a erosão costeira e a especulação imobiliária ameaçam comunidades e áreas de preservação. Suas ações envolvem educação ambiental, reflorestamento e mobilização comunitária contra a transformação de áreas verdes em zonas industriais. O Instituto mantém o Museu Comunitário Engenho do Sertão e a Escola da Terra, promovendo a memória dos engenhos de farinha e o aprendizado agroecológico. A organização destacou a perda de território como uma forma de desastre silencioso e defendeu a cultura como linguagem de incidência e justiça climática.
Encerrando as partilhas, o Coletivo Quintal de Casa (MG) relatou sua atuação em comunidades ribeirinhas e rurais do norte de Minas Gerais, fortemente afetadas pela seca prolongada e pela escassez hídrica. O coletivo promove mutirões de plantio, oficinas de arte e sustentabilidade, e o projeto Sopão Solidário, que integra alimentação, arte e escuta como práticas de resistência. Durante a pandemia, desenvolveu atividades culturais on-line e apoio a trabalhadores da cultura, reafirmando a arte como instrumento de reconstrução emocional e social.
O conjunto das falas demonstrou que os Pontos e Pontões de Cultura constituem infraestruturas comunitárias de cuidado, memória e resiliência, atuando na linha de frente da prevenção, da solidariedade e da reconstrução dos vínculos sociais. As experiências reafirmaram que a cultura é um elemento transversal nas respostas às emergências, unindo arte, espiritualidade, ecologia, economia solidária e educação popular.
O seminário concluiu que o Protocolo da Cultura Viva deve reconhecer e fortalecer essas práticas como parte da estrutura nacional de gestão de riscos e desastres, com mecanismos de apoio técnico, formação continuada e integração intersetorial com as políticas de meio ambiente, saúde e defesa civil. O encerramento reafirmou a síntese construída ao longo dos três dias: “Cultura é cuidado, resistência e reconstrução da vida.”
Estiveram presentes e contribuíram com as experiências:
Marjorie Botelho, da Rede Nacional de Pontos de Cultura e Memórias Rurais (DF); Aparecida Alcântara, da Associação Caiçara de Promoção Humana / Rede Tucum (CE); Lia Caldas Carneiro, da Associação dos Criadores e Promotores de Saberes e Práticas Sustentáveis – Casa dos Saberes (RJ); Nelci Conceição dos Santos, do Grupo de Mulheres Mãos Aroeira (BA); Rackson Coelho, do Instituto Maria Conga (PR); Rosane Luchtenberg, do Instituto Boi Mamão de Preservação e Fomento da Cultura (SC); e Willian Rodrigo Carvalho dos Santos, do Coletivo Quintal de Casa (MG).
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